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Seleção de modelos e o estudo da estruturação de comunidades arbóreas em uma paisagem fragmentada
Edgar Silva
* Laboratório de Ecologia Vegetal e Aplicada, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Pernambuco
* edgar.ssilva@ufpe.br
Inferência por verossimilhança
A inferência por verossimilhança tem sido bastante usada recentemente por ecólogos e essa abordagem traz uma perspectiva diferente para a análise de dados biológicos. A inferência estatística clássica avalia se uma determinada hipótese nula pode ser rejeitada dado certo conjunto de dados, e a rejeição dessa hipótese nula resulta na aceitação de uma hipótese alternativa (Johnson & Omland 2004). Por sua vez, a inferência por verossimilhança faz uma comparação entre diferentes hipóteses competidoras e aquela que melhor se ajusta aos dados é dada como hipótese mais plausível (Batista 2009).
Imagine que temos duas hipóteses (A e B) que implicam em duas diferentes probabilidades de se obter uma dada observação, PA(x) e PB(x). Uma vez coletado os dados, foi observado que a probabilidade de B considerando o dado x é maior que a probabilidade de A considerando o dado x, i.e. PB(x) > PA(x). Neste caso, a Lei da Verossimilhança afirma que os dados favorecem a hipótese B sobre a hipótese A, ou que a hipótese B é mais plausível que a hipótese A. Além disso, a força de evidência da hipótese B sobre hipótese A é dada pela razão PB(x)/PA(x), conhecida como razão de verossimilhança. É importante ressaltar que essa comparação entre diferentes hipóteses só pode ser feita pelo método da inferência por verossimilhança quando usado o mesmo conjunto de dados.
Para avaliar a verossimilhança de uma dada hipótese é utilizada a função de verossimilhança, que é uma função de densidade probabilística cujo dado é mantido constante e os parâmetros da função são variáveis (Burnham & Anderson 2002). Quando temos varias observações independentes, a função de verossimilhança será o produto das funções de verossimilhanças de cada dado separadamente. Entretanto, os estatísticos costumam usar a log-verossimilhança negativa, onde se aplica a função logarítmica e altera o sinal (Batista 2009). Essa transformação visa facilitar a manipulação matemática.
Seleção de modelos
Na abordagem de seleção de modelos, o primeiro passo é a elaboração verbal das hipóteses competidoras e, posteriormente, essas hipóteses verbais devem ser transformadas em equações matemáticas (Johnson & Omland 2004). Para inferir qual modelo melhor se ajusta aos dados é utilizado o Critério de Informação de Akaike (AIC), sendo o modelo com menor AIC aquele que apresenta o melhor ajuste aos dados. O AIC penaliza aqueles modelos que apresentam um maior número de parâmetros, assim, se dois modelos apresentam o mesmo valor de log-verossimilhança negativa, aquele que tiver o menor número de parâmetros apresentará o menor valor de AIC. Todavia, o AIC não é recomendável quando temos uma amostra pequena, sendo necessária a utilização de um AIC corrigido (AICc). Quando a diferença entre o AIC ou AICc de dois modelos for menor que 2, consideramos esses modelos igualmente plausíveis.
Estudo de caso
O uso da terra para a realização de atividades antrópicas representa uma das principais ameaças a biodiversidade global (Sala et al. 2000). Devido a atividades como a pecuária, agricultura e a criação de áreas urbanas, grandes áreas de floresta tropical foram convertidas em paisagens composta por pequenos fragmentos florestais isolados e imersos em matrizes não florestadas. A floresta Atlântica brasileira, por exemplo, apresenta apenas 11,7% da sua área original e 83% dos remanescentes de floresta são menores que 50 ha (Ribeiro et al. 2009). Essa configuração das florestas tropicais é extremamente nociva para a manutenção de espécies, uma vez que remanescentes grandes e menos isolados são mais efetivos para conservação.
Por meio da seleção de modelos, avaliei a hipótese que fragmentos mais isolados apresentam uma menor riqueza de espécies e abundância de indivíduos arbóreos. Em uma paisagem severamente fragmentada de Floresta Atlântica no nordeste do Brasil foram selecionados 20 fragmentos florestais completamente circundados por uma matriz homogênea de cana-de-açúcar. No centro geométrico de cada fragmento foi montada uma parcela de 10 m x 100 m onde foram amostradas todas as árvores com DAP ≥ 10 cm. Para inferir o isolamento, foi avaliada a cobertura florestal em uma área circular de 100 ha, estando a parcela localizada no centro dessa área. Áreas com menor cobertura florestal indicam fragmentos mais isolados.
Tanto para avaliar se existe uma redução na riqueza de espécies como na abundância de indivíduos em fragmentos mais isolados, foram criados dois modelos: um modelo sem efeito e outro considerando o isolamento. Os modelos foram criados com distribuição de Poisson, dado que tanto a riqueza de espécies como a abundância de indivíduos representam dados de contagem (Bolker 2008). Para comparar os modelos, foram analisados os AICc’s, pois se trata de uma amostra pequena.
Os resultados indicam que tanto para riqueza de espécies como para abundância de indivíduos o modelo considerando o isolamento do fragmento é mais plausível que o modelo sem efeito, uma vez que os modelos que levaram em consideração o isolamento apresentaram AICc menores que os modelos sem efeito (Tabela 1 e 2).
Tabela 1. Seleção de modelos para avaliar o efeito do isolamento do fragmento na riqueza de espécies em comunidades arbóreas em uma paisagem de Floresta Atlântica no nordeste do Brasil. logLik = estimativa de máxima verossimilhança; AICc = critério de informação de Akaike para amostras pequenas; dAICc = diferença entre o AICc do modelo e o menor AICc encontrado; DF = número de parâmetros no modelo; W= peso de evidência.
Tabela 2. Seleção de modelos para avaliar o efeito do isolamento do fragmento na abundância de indivíduos em comunidades arbóreas em uma paisagem de Floresta Atlântica no nordeste do Brasil. logLik = estimativa de máxima verossimilhança; AICc = critério de informação de Akaike para amostras pequenas; dAICc = diferença entre o AICc do modelo e o menor AICc encontrado; DF = número de parâmetros no modelo; W= peso de evidência.
Assim como esperado, tanto a riqueza de espécies como a abundância de indivíduos tendem a diminuir com o isolamento. Fragmentos mais isolados tendem a receber menos visitas de animais dispersores de sementes, o que diminui a chegada de novas espécies. De fato, a inferência por verossimilhança pode ser bastante útil no estudo da estruturação de comunidades biológicas em paisagens fragmentadas, o que pode ser observado no crescente número de artigos científicos que vem utilizando essa abordagem.
Referências bibliográficas
Batista, J.L.F. 2009. Verossimilhança e máxima verossimilhança. Centro de Métodos Quantitativos (http://cmq.esalq.usp.br/), Departamento de Ciências Florestais, Escola Superior de Agricultura ”Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Campus Piracicaba.
Bolker, B. 2007. Ecological models and data in R. Princeton University Press, Princeton.
Burnham, K. P. & Anderson, D. R. 2002. Model selection and multimodel inference. A practical information - Theoretic approach. Springer-Verlag New York, Inc., New York.
Johnson, J. B. & Omland, K. S. 2004. Model selection in ecology and evolution. Trends in Ecology and Evolution 19,101-10
Ribeiro, M. C., Metzger, J. P., Martensen, A. C., Ponzoni, F. J., Hirota, M. M., 2009. The Brazilian Atlantic Forest: How much is left, and how is the remaining forest distributed? Implications for conservation. Biological Conservation 142, 1141-1153.
Sala, O. E., Chapin, F. S., Armesto, J. J., Berlow, E., Bloomfield, J., Dirzo, R., Huber-Sanwald, E., Huenneke, L. F., Jackson, R. B., Kinzig, A., Leemans, R., Lodge, D. M., Mooney, H. A., Oesterheld, M., Poff, N. L., Sykes, M. T., Walker, B. H., Walker, M., Wall, D. H., 2000. Biodiversity - Global biodiversity scenarios for the year 2100. Science 287, 1770-1774.
Citação
Este ensaio é um produto de disciplina da pós-graduação da Universidade de São Paulo. Para citá-lo:
Silva, E. 2014. Seleção de modelos e o estudo da estruturação de comunidades arbóreas em uma paisagem fragmentada. In: Prado , P.I & Batista, J.L.F. Modelagem Estatística para Ecologia e Recursos Naturais. Universidade de São Paulo. url: http://cmq.esalq.usp.br/BIE5781.