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Seleção de modelos e o efeito de perturbações antrópicas crônicas sobre a comunidade de formigas

Fernanda Maria Pereira de Oliveira

* Pós-Graduação em Biologia Vegetal, Universidade Federal de Pernambuco

* nandajovi@gmail.com

Seleção de modelos

A utilização da abordagem de seleção de modelos, embora crescente em trabalhos de ecologia, ainda é alvo de dúvidas devido principalmente ao contraste com a estatística clássica. Na estatística clássica, estávamos acostumados a contrapor duas hipóteses, uma nula e uma alternativa, e tínhamos um critério (valor p) arbitrário que indicava se a hipótese nula seria refutada ou não. Além disso, a estatística clássica foi desenvolvida com base na distribuição Gaussiana e grande parte dos dados em ecologia não segue essa distribuição.

Quando olhamos para a seleção de modelos, o que existem são várias hipóteses concorrentes, inclusive se necessário uma hipótese referente à ausência de efeitos (chamada também de modelo nulo), que são simultaneamente confrontadas com os dados (Johnson & Omland 2004). Não existe um valor que te orienta a refutar a hipótese nula, mas agora existe um critério que te mostra o quão plausível é uma hipótese em relação à outra. Não existe um melhor modelo de maneira absoluta, estamos sempre procurando o modelo mais plausível em relação a outro modelo. Dessa forma, muitas vezes nos deparamos não só com um modelo mais plausível, mas com um conjunto de modelos em uma ordem de plausibilidade relativa. Em função disso, a abordagem da seleção de modelos dá uma maior liberdade ao pesquisador na hora de criar modelos que melhor descrevem seus dados, mas por outro lado também exige a habilidade e a coerência do pesquisador para criar modelos, visto que o melhor modelo será eleito dentre os modelos candidatos propostos pelo próprio pesquisador.

A seleção de modelos pode ser dividida em algumas etapas: a primeira consiste em formular hipóteses que são traduzidas em equações matemáticas (os modelos). Essa etapa deve ser feita antes da coleta de dados e requer a identificação de variáveis e de funções matemáticas que descrevem os processos biológicos através dos quais essas variáveis se relacionam (Johnson & Omland 2004). A segunda etapa, após a coleta de dados, consiste na adequação dos parâmetros dos modelos para que os dados tenham o melhor ajuste possível nos modelos. Esse ajuste pode ser feito pela análise de máxima verossimilhança, que consiste em encontrar uma função de verossimilhança que permita a observação da plausibilidade dos valores possíveis para os parâmetros de cada modelo (Batista 2009). Após encontrar a função de verossimilhança, é possível detectar a solução de máxima verossimilhança dessa função, onde os valores dos parâmetros são mais plausíveis, isso consiste na terceira etapa da seleção de modelos. Por fim, a última etapa consiste em comparar a solução de máxima verossimilhança dos modelos e selecionar o melhor modelo ou o melhor conjunto de modelos dentre o conjunto de modelos candidatos. Isso pode ser feito utilizando o Critério de Informação Akaike (AIC), este critério realiza uma análise de divergência relativa entre cada modelo proposto. O modelo que tiver menor divergência, consequentemente, será o que terá menor perda de informação e menor AIC. Além disso, para ponderar em relação ao número de parâmetro dos modelos, esse critério utiliza uma correção que penaliza os modelos criados de acordo com o número de parâmetros. Dessa forma, evitamos a superparametrização que poderia fazer com que o modelo com muitos parâmetros fosse o melhor, mas por outro lado este seria um modelo muito restrito (Burnham & Anderson 2002).

Efeitos de perturbações antrópicas sobre a comunidade de formigas

Durante o meu mestrado, eu trabalhei com os efeitos de perturbação antrópicas crônicas sobre a comunidade de formigas, e eu estava interessada em entender como diversas métricas deste tipo de perturbação podem modificar a riqueza e composição de espécies da comunidade de formigas presente na Caatinga. Para este ensaio, utilizarei só a riqueza de espécies.

Na Caatinga, as principais fontes de perturbação antrópica são a criação extensiva de caprinos e coleta de produtos madeireiros e não madeireiros pela população local. Por isso, utilizei cinco métricas relacionadas a essas fontes de perturbação que foram medidas em 47 parcelas de 50x20m. As métricas foram: número de pessoas e número de caprinos presentes nas fazendas dentro de um raio de 2 km a partir do centro da parcela, distância para a estrada mais próxima, distância para a fazenda mais próxima e distância pra o centro de Parnamirim (cidade onde foi desenvolvido o estudo).

As respostas às perturbações antrópicas diferem em diversos grupos de organismos (Newbold et al. 2014). De maneira geral, comunidades de formigas respondem indiretamente às perturbações antrópicas, através de efeitos no solo, na estrutura da vegetação, disponibilidade de recursos e interações competitivas (Andersen 1995). E na mesma área onde desenvolvi meu estudo, já tinha sido registrado a influência negativa das métricas de perturbação antrópica crônica sobre a diversidade de árvores, tanto para plântulas, jovens e adultos (Ribeiro et al 2014). Em função disso, eu esperava que perturbações antrópicas exercessem efeito negativo sobre as formigas, acompanhando o padrão de resposta da comunidade vegetal.

Utilizando seleção de modelos para analisar os efeitos de perturbações antrópicas sobre a comunidade de formigas na Caatinga

A priori, pra analisar os dados, utilizei a estatística clássica e fiz uma regressão múltipla com as métricas de perturbação, utilizando como variável resposta a riqueza de espécies de formigas. Entretanto, os efeitos de perturbações crônicas são mais sutis e relacionados à remoção de pequenas quantidades de biomassa (Singh 1998). E por não promoverem, em um primeiro momento, transformações drásticas na vegetação, perturbações crônicas podem agir como um distúrbio intermediário (sensu Connell 1978) levando, em alguns casos, ao aumento da diversidade em níveis de perturbação moderada (Bongers et al., 2009). Em função disso, seria razoável esperar que um modelo com função quadrática fosse mais plausível do que o modelo linear que utilizei na regressão múltipla. Com a abordagem de seleção de modelos é possível contrapor o modelo linear, o quadrático e o de ausência de efeito, e comparar a plausibilidade dos mesmos.

Além de encontrar o modelo que melhor descreve perturbação crônica para a riqueza de formigas, é possível também entender a importância relativa de cada métrica de perturbação para a riqueza de formigas. Para isso, seria necessário construir modelos lineares generalizados e realizar uma seleção de modelos baseada no Critério de Informação de Akaike corrigido para pequenas amostras (AICc; Burnham & Anderson 2002). A seleção de modelos ordena os modelos de acordo com o valor AICc (AICc inferior indica melhores modelos), e identifica um conjunto de modelos mais plausíveis considerando a diferença de AICc (isto é ΔAICc) < 2, quando comparado com o modelo mostrando o AICc menor. A seleção de modelos também produz um peso de Akaike (W) para cada modelo (soma de W para todos os modelos é igual a 1) como uma estimativa da probabilidade de um modelo particular ser o melhor modelo para os dados. Assim, para descrever a importância de cada variável preditora (seleção de variáveis) os valores de W para a variável preditora apenas dentro do conjunto dos modelos mais plausíveis ΔAICc <2) são somados. Considera-se que, se uma variável preditora é importante, então os modelos, incluindo ela supostamente terão altos pesos de Akaike (Burnham & Anderson 2002). Todas estas análises podem ser realizadas através da glmulti pacote para R (Team R Development Core 2008).

Considerações

Quando analisei os dados utilizando a abordagem de seleção de modelos, houve uma convergência de alguns resultados encontrados pelas análises de estatística clássica. Número de pessoas e distância da cidade, por exemplo, foram as variáveis que apresentaram maior efeito sobre a riqueza de formigas. A abordagem por seleção de modelos se mostrou vantajosa em relação às ferramentas da estatística clássica porque permitiu que eu ajustasse um modelo quadrático referente à hipótese do distúrbio intermediário contrapondo com os modelo linear e o modelo de ausência de efeito, sendo o quadrático o mais plausível. Além disso, foi possível construir um conjunto de modelos possíveis com a combinação das métricas de perturbação e os modelos foram comparados uns com os outros, permitindo uma visão geral da importância relativa de cada variável preditora.

Referências bibliográficas

Andersen, A. N. 1995. A classification of Australian ant communities based on functional groups which parallel plant life-forms in relation to stress and disturbance. Journal of Biogeography 22:15-29.

Batista, J.L.F. 2009. Verossimilhança e Máxima Verossimilhança. Centro de Métodos Quantitativos, Departamento de Ciências Florestais, Escola Superior de Agricultura ”Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Campus Piracicaba.

Bongers, F., Poorter. L., Hawthorne, V.D., and D. Sheil. 2009. The intermediate disturbance hypothesis applies to tropical forests, but disturbance contributes little to tree diversity. Ecology Letters 12:789-805.

Connell, J. H. 1978. Diversity in Tropical Rain Forests and Coral Reefs. Science 199:1302–1310.

Burnham, K.P. & Anderson, D.R. 2002. Model selection and multimodel inference. A practical information - theoretic approach. Springer, New York.

Johnson, J. B. & Omland, K. S. 2004. Model selection in ecology and evolution. Trends in Ecology and Evolution, 19:101-10

R Development Core Team. 2008. R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria.

Singh, S. P. 1998. Chronic disturbance, a principal cause of environmental degradation in developing countries. Environmental Conservation 25:1-2.

Citação

Este ensaio é um produto de disciplina da pós-graduação da Universidade de São Paulo. Para citá-lo:

Oliveira, F.M.P. 2014. Seleção de modelos e o efeito de perturbações antrópicas crônicas sobre a comunidade de formigas. In: Prado , P.I & Batista, J.L.F. Modelagem Estatística para Ecologia e Recursos Naturais. Universidade de São Paulo. url: http://cmq.esalq.usp.br/BIE5781.

historico/2014/ensaios/oliveira.txt · Última modificação: 2022/11/24 14:12 por 127.0.0.1