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Modelos de distribuição na análise de seleção de habitat por mamíferos terrestres
Ronaldo Gonçalves Morato
Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros-ICMBio
ronaldo.morato@icmbio.gov.br
Os progressos nas tecnologias de posicionamento global tem permitido um grande acúmulo de informações de animais aparelhados com equipamentos de telemetria GPS-Satélite (Thurfjell et al., 2014) gerando novas oportunidades de investigação dos padrões de movimento animal e seleção de habitat. Estes avanços tem permitido, ainda, o desenvolvimento de novas ferramentas de análises de dados para caracterizar a seleção de habitat tais como, modelos generalizados de regressão não linear e interpolação linear (Kie et al., 2010). De forma geral, dados de telemetria são positivamente correlacionados no espaço e no tempo. Essa correlação pode ser simples, decrescendo monotonicamente com o intervalo temporal ou extremamente complexa, flutuando no intervalo temporal (Fieberg et al., 2010). Apesar dos grandes avanços nas ferramentas de análise, até recentemente, a correlação era tratada como “ruído” haja vista a violação da premissa de independência dos dados, como sugerido pela inferência clássica (Fieberg et al., 2010). Nesse sentido, três mecanismos eram aplicados com a finalidade tratar a não independência dos dados. O primeiro consisitia na reamostragem contínua até que se obtivesse a “independência dos dados. Essa técnica levava a uma grande perda de dados (Fieberg et al., 2010) e certamente importantes informações sobre o comportamento e decisões do animal na movimentação na paisagem eram desperdiçadas (Thurfjell et al., 2014). O segundo, a análise composicional (Aebischer et al., 1993), considera o indivíduo como unidade de replicação. No entanto, esta técnica é limitada pois aumenta o erro tipo I quando temos habitats raros (Bingham e Brennan, 2004). Adicionalmente, não tem flexibilidade para acomodar variáveis contínuas ou interações (Gillies et al., 2006). Finalmente, o estimador de variância de Huber-White era utilizado para calcular os desvios sem que as estimativas dos coeficientes fossem afetadas. Porém, como na maioria dos casos os dados telemetria não são balanceados entre indivíduos, ou seja, alguns indivíduos tem números elevados de localizações enquanto outros podem ter algumas poucas localizações, os coeficientes podem ser enviesados em função dos indivíduos com maiores números de localizações (Follman e Lambert, 1989). Outro aspceto a ser considerado é que estes mecanismos tratam os dados apenas em função da localização, não considerando a questão temporal e os padões de movimento. A seleção de habitat, por um dado organismo, é qualquer função proporcional a probabilidade de seleção de uma unidade espacial, dependendo da frequência de uso (fu) desta em relação a quantidade de habitat disponível (fd). De forma geral, trata-se de uma função exponencial de uma amostra de recursos utilizados e disponíveis e pode ser assim expressa (Thurfjell et al., 2014):
w(x)= exp(β1×1+ β2×2….+ βnxn), onde:
x é o vetor de co-variáveis preditoras e; w corresponde a fu / fd para qualquer x
Como as tecnologias atuais de monitoramento permitem o acompanhamento contínuo de indivíduos por um longo período, podemos associar modelos que estimem os movimentos animais nas análises de seleção de habitat assim como o uso destas áreas (Horne et al., 2007; Kranstauber et al., 2012). O movimento animal, definido como uma trajetória ou caminho traçado no espaço e tempo (Horne et al., 2007), é tratado como aleatório. Desta forma, os modelos aplicados baseiam-se na teoria de movimento aleatório de partículas, o movimento Browniano. No entanto, em geral, aplica-se um modelo estocástico de movimento contínuo (Brownian bridge movement model-BBMM) no qual a probabilidade de um indivíduo estar em uma determinada área é condicionada às localizações inicial e final, ao tempo entre estas localizações e a mobilidade ou velocidade de deslocamento do indivíduo (Horne et al., 2007). Considerando que os movimentos animais são compostos de uma sucessão de distintos tipos de deslocamento ao longo do dia, por exemplo, um indivíduo pode foragear em determinado periodo do dia, descansar em outro e ainda viajar (Gurarie et al., 2009), o BBMM pode ser ajustado com base nas mudanças dos padrões de movimento, o modelo ajustado é denominado dinâmico BBMM (dBMM)(Kranstauber et al., 2012).
A análise de seleção de habitat e uso deste, referido como distribuição da utilização (UD), a partir do BBMM, requer as coordenadas geográficas (x e y), o horário da localização (t), a variação do movimento Browniano (σ2m) e o erro estimado nas localizações (δ2). As coordenadas geográficas formam a matriz Z, onde Zi representa as coordenadas x e y da localização i, sendo que i pode variar de 0 a n. A variação do movimento Browniano é o intervalo entre as localizações, sendo estimado a partir de uma série de localizações Z pela maximização da função de verossimilhança proposta por Horne et al (2007) (Equação 1) utilizando-se somente os valores ímpares para i (Kranstauber et al., 2012) (Equação 2). Utiliza-se apenas os valores ímpares porque a estimativa de verossimilhança de σ2m considera cada segunda localização um evento independente (Kranstauber et al., 2012). A função de densidade probabilística para uma Ponte Browniana (BM) proposta por Horne et al. (2007) está condicionada às localizações incial e final de movimentos aleatórios e tem distribuição normal Zta,b,T~Ν(μ(t), σ2(t) I) no espaço R2 e no tempo t ∈ [0,T], sendo que Zta,b,T corresponde a posição de um animal no tempo t ∈ [0,T];
O modelo descrito na equação 2 assume que σ2m é o mesmo em toda a trajetória animal. No entanto, devemos lembrar que o animal muda sua trajetória a diferentes intervalos, como mencionado anteriormente. Desta forma, devemos identificar as subseções desta trajetória para o refinamento de cálculo da UD (Kranstauber et al., 2012). O primeiro passo neste sentido foi dado por Gurarie et al. (2009) que descreveram a análise de identificação do ponto de mudança de comportamento de movimentação (BCPA), método baseado em verossimilhança que permite identificar mudanças estruturais no movimento animal. Nesse modelo foi possível identificar todos os parâmetros simultaneamente (μ, σ, ρ), sendo assim, as estimativas devem ser consideradas como estimativas de máxima verossimilhança (Gurarie et al., 2009). Kranstauber et al. (2012) propõem um ajuste no qual o ponto de mudança é calculado pela log verossimilhança do intervalo descrito pela mudança de dois parâmetros na localização b, sendo b a localização do ponto de mudança no intervalo percorrido (Equação 3).
Estes modelos estão implementados no pacote “move” do software R versão 3.1.0 (R Development Core Team 2014). Este pacote está vinculado ao banco de dados movebank, ou seja, o conjunto de dados a serem analisados são depositados na base de dados e a partir do pacote “move” as informações são resgatadas e então analisadas. Veja, abaixo, exemplo do script para análise e gráficos gerados (Figura 1) a partir de dados de monitoramento GPS-Satélite de um indivíduo macho de onça pintada.
require(move)
require(maptools)
require(adehabitatHR)
require(ks)
creds←movebankLogin(username=“yyyyyy”,password=“xxxxxx”)
(studies←searchMovebankStudies(x=“Jaguar_Taiama”,login=creds))
Picole←getMovebankData(study=studies,animalName=“Picole”,login=creds)
x←Picole
show(x)
summary(x)
head(time.lag(x,units=“mins”))
x11()
plot(x,type=“o”,col=3,lwd=2,pch=20,xlab=“location_long”,ylab=“location_lat”)
##################
require(ggmap)
require(mapproj)
x_df←as(x,“data.frame”)
m←get_map(bbox(extent(x)*1.1),source=“stamen”,zoom=14)
ggmap(m)+geom_path(data=x_df,aes(x=location.long,y=location.lat))
##################
picole.utm ← spTransform(x, CRS(“+proj=utm +zone=23 +south +datum=WGS84 +units=m +no_defs”))
picole.utm
head(picole.utm)
##################
pos ← coordinates(picole.utm)
picole.dbb ← brownian.bridge.dyn(picole.utm, raster=30, location.error=6, ext=.3, time.step=10, margin=11, window.size=31)
# bufallo example: location.error=23, ext=.3,time.step=20, margin=101, window.size=211)
writeRaster(picole.dbb, “BBras.picole.tiff”,driver='GTiff', overwrite=TRUE)
X11()
tiff(“picole_ras_dbb.tif”, 800,800)
par(mfrow=c(1,1), asp=1)
udpicole← getVolumeUD(picole.dbb)
writeRaster(udpicole, “Volume_picole”,driver='GTiff', overwrite=TRUE)
plot(udpicole)
plot(picole.utm, pch=16, cex=0.75, col=“#A020F050”, bty=“n”, xaxt=“n”, yaxt=“n”, xlab=NA, ylab=NA)
contour(udpicole, levels=c(0.5, 0.95), add=T)
points(picole.utm)
title(“Picole - Dynamic Brownian Bridge”, sub=“parameters: raster=30, location.error=6,
ext=.3, time.step=10, margin=11, window.size=31”,ylim=6)
dev.off()
################# #################
x11()
hrBootstrap(x=x,rep=100,plot=T,level=95,levelMax=100,unin=“km”,unout=“km2”)
jpeg(“Picole_mcp.jpg”,width=480,height=480,units=“px”,pointsize=12,quality=100,bg=“white”,res=NA)
Referências bibliográficas
Aebischer NJ, Robertson PA, Kenward RE. (1993). Compositional analysis of habitat use from animal radiotelemetry data. Ecology, 74,1313-1325.
Bingham RL, Brennan LA. (2004). Comparison of type I error rates for statistical analyses of resource selection. Journal of Wildlife Management, 68, 206-212.
Fieberg J, Matthiopoulos J, Hebblewhite M, Boyce M, Frair JL. (2010) Correlation and studies of habitat selection: problem, red herring or opportunity? Philosophical Translations of the Royal Society B, 365, 2233-2244.
Follmann DA, Lambert D. (1989). Generalized logistic regression by nonparametric mixing. Journal of the American Statistical Association, 84, 295-301.
Gillies CS, Hebblewhite M, Nielsen SE, Krawchuk MA, Cameron LA, Frair JL, Saher DJ, Stevens CE, Jerde CL. (2006).Application of random effects to the study of resource selection by animals. Journal of Animal Ecology, 75, 887-898.
Gurarie E, Andrews RD, Laidre KL. (2009). A novel method for identifying behavioural changes in animal movement data. Ecology Letters, 12, 395-408.
Horne JS, Garton EO, Krone SM, Lewis JS. (2007). Analyzing animal movements using Brownian Bridges. Ecology, 88, 2354-2363.
Kie JG, Matthiopoulos J, Fieberg J, Powell RA, Cagnacci F, Mitchell MS, Gaillard JM, Moorcroft PR. (2010). The home-range concept: are traditional estimators still relevant with modern telemetry technology? Philosophical Translations of the Royal Society B, 365, 2221-2231.
Kranstauber B, Kays R, LaPoint SD, Wikelski M, Safi K. (2012). A dynamic Brownian bridge movement model to estimate utilization distributions for heterogenous animal movement. Journal of Animal Ecology, 81, 738-746.
R Development Core Team (2014)
Thurfjell H, Ciuti S, Boyce MS. (2014). Applications of step-selection functions in ecology and conservation. Movement Ecology, 2, 1-12.
Citação
Este ensaio é um produto de disciplina da pós-graduação da Universidade de São Paulo. Para citá-lo: Morato, R. G. 2014. Modelos de distribuição na análise de seleção de habitat por mamíferos terrestres. In: Prado, P.I. & Batista, J.L.F. Modelagem Estaística para Ecologia e Recursos Naturais. Universidade de São Paulo. url: http://cmq.esalq.usp.br/BIE5781.