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A inferência baseada em modelos e a mortalidade de fauna em rodovias
Larissa Oliveira Gonçalves
* Pós-Graduação em Ecologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul * larissa.oligon@gmail.com
Ajustar um modelo é fácil, quero ver você interpretá-lo!
A inferência estatítica baseada em modelos tem sido cada vez mais utilizada e tem mudado a maneira como ecológos pensam a análise de seus dados e a criação de suas hipóteses (pelo menos mudou muito a minha!). Mas, afinal, o que são modelos? Modelos nada mais são que formalizações matemáticas que expressam diferentes hipóteses teóricas pensadas para o sistema estudado, isto é, construir um modelo estatítico nada mais é do escolher uma distribuição de probabilidades que melhor descreve seus dados e, posteriormente, encontrar os valores dos parâmetros que melhor ajustam esse modelo! Fácil? Claro que não! Ajustar um modelo significa estimar o quanto os nossos dados são prováveis a partir de determinados valores de parâmetro (Batista 2009; Bolker 2008 – Cap.6). Esta medida de os dados serem prováveis ou não é o que chamamos de verossimilhança e, com isso, um bom modelo é aquele que maximiza a verossimilhança, ou, para facilitar a compreensão matemática, o que minimiza a log-verossimilhança negativa (Batista 2009; Bolker 2008 – Cap.6). Então, como diz Bolker (2008) no capítulo 6, “você não precisa só aprender como construir um modelo, mas também como estimar os parâmetros a partir dos dados e como testá-lo contra outros modelos”.
Durante a disciplina pude perceber como a minha maneira de pensar a análise de dados em ecologia mudou, não só pelo aprofundamento de conceitos que antes eram bastante surperficiais, mas por perceber o quanto pensar a ciência dessa forma me tornou mais exigente em termos de formular minhas hipóteses. Entretanto, minha maior dificuldade ao longo de toda a disciplina foi entender a forma no qual eu intepreto uma análise baseada em modelos. Muito da dificuldade acredito ser proveniente de um pensamento frequentista, no qual desde sempre estive inserida e que nos possibilita confrontar apenas uma hipótese frente à hipótese nula de que não há relação entre as variáveis. O fato de podermos confrontar diferentes hipóteses e depois testar quais são as melhores, as mais verossímeis, é uma grande vantagem da inferência baseada em modelos. Mas então como interpretamos esses modelos verossímeis?
Encontrar os parâmetros que melhor descrevem nossos dados significa que podemos saber, não só se há efeito de nossa variável preditora sobre a resposta, mas também qual é a força dessa relação. Assim, podemos ajustar diferentes modelos aos nossos dados (baseados em diferentes hipóteses) e compará-los para encontrar evidência a favor de uma hipótese frente as demais. A ideia aqui é encontrar o modelo (ou hipótese) que torna os meus dados mais prováveis. O Critéio de Informação de Akaike (AIC) é o método que vem sendo bastante utilizado para comparar diferentes modelos e descobrir qual é o mais plausível, ou os mais plausíveis dentre os modelos possíveis (Burnham & Anderson, 2002; Anderson 2008). O melhor modelo será aquele que teve a menor perda de informação para explicar os dados, considerando não só a verossimilhança de cada modelo, mas também o número de parâmetros que esse modelo possui (Anderson 2008). O AIC é uma medida de distância, isto é, o menor valor de AIC representa o modelo mais plausível (Anderson 2008).
Aplicando o que foi aprendido ao meu sistema: as rodovias!
Uma das principais motivações para realizar a disciplina era poder olhar diferente para o meu sistema de estudo, que é a ecologia de rodovias. A construção de rodovias e o consequente tráfego de veículos causam diversas ameaçadas à biodiversidade (Forman et al. 2003). Segundo Fahrig & Rytwinski (2009), a mortalidade de fauna pode ter efeitos substanciais na densidade populacional, tendo aparentemente uma maior importância para a persistência das populações do que o isolamento por evitamento da rodovia (Jackson & Fahrig 2011). Os atropelamentos de animais silvestres em rodovias são considerados por alguns autores como a principal causa antrópica direta de mortalidade de fauna terrestre, ultrapassando até mesmo a caça (Forman & Alexander 1998).
No meu doutorado pretendo criar modelos que possam prever o risco de mortalidade de fauna em rodovias através de características da rodovia (como tamanho e largura do pavimento, velocidade e tráfego de veículos), características das espécies (tamanho corporal do animal e a velocidade em que ele atravessa a rodovia) e características da paisagem do entorno da rodovia. Aqui tentarei aplicar o que foi aprendido à construção de modelos bastante simples que comparam apenas o fluxo de veículos com o número de animais encontrados atropelados. Dentre vários fatores, o fluxo de veículos é dos principais fatores que governam a probabilidade de colisão animal-veículo (Van Langevelde & Jaarsma 2004; Jaarsma et al. 2006) e está relacionado ao intervalo de tempo disponível para a travessia do animal.
Utilizei registros de vertebrados encontrados atropelados na BR-101 Sul, a qual foi monitorada mensalmente por 17 meses. O fluxo de veículos foi registrado a partir de contadores de fluxo localizados em diferentes trechos da rodovia, o qual nos fornece o número de veículos por hora que passaram naquele trecho. Primeiramente, escolhi a distribuição mais adequada para os dados. A distribuição de Poisson é indicada para descrever contagens de eventos que ocorrem de maneira aleatória no tempo e no espaço (Bolker 2008 – Cap.4). A distribuição Binomial Negativa também é utilizada para dados de contagem, entretanto é utilizada para eventos agregados (Bolker 2008 – Cap.4). Dessa forma, construí modelos com essas duas distribuições e considerei duas relações possíveis entre o número de animais atropelados e o fluxo de veículos. A primeira é de que quanto maior o fluxo de veiculos maior o número de animais atropelados, seguindo uma relação linear. A segunda é de que o número de animais atropelados é maior quanto maior o fluxo de veículos, até um ponto onde o efeito de evitamento da rodovia é responsável pelo decaimento no número de acidentes, ou seja, o fluxo de veículos é tão grande que os animais evitam a rodovia. Está última segue uma relação quadrática. Além desses, também construí modelos sem efeito do fluxo de veículos. Para comparar os modelos, utilizei o Critério de Informação de Akaike de segunda ordem (AICc) que faz uma correção para amostras pequenas.
Os resultados indicaram que o modelo mais plausível (deltaAIC < 2) é o modelo utilizando a binomial negativa e a relação quadrática entre o número de animais atropelados e o fluxo de veículos (Tabela 1). Esse resultado corrobora a hipótese de que o número de animais atropelados é maior quanto maior o fluxo de veículos, até um ponto onde o efeito de evitamento da rodovia é responsável pelo decaimento no número de acidentes (Figura 1). Além disso, a distribuição binomial negativa realmente é mais indicada para esses dados, já que os atropelamentos podem não ocorrer aleatoriamente ao longo das rodovias, e sim estarem agregados espacialmente (Clevenger et al. 2003, Coelho et al. 2008).
Referências Bibliográficas
Anderson, D. R. 2008. Model based inference in the life sciences: a primer on evidence. New York, Springer.
Batista, J.L.F. Apostila Verossimilhança e Máxima Verossimilhança. 2009, p 1-27.
Bolker, B.M. 2008. Ecological Models and Data in R Princeton: Princeton University Press.
Burnham, K. P. & Anderson, D. R. 2002. Model Selection and Multimodel Inference: A Practical-Theoretic Approach, 2nd ed. New York, Springer-Verlag.
Clevenger, A.P., Chruszcz, B. & Gunson, K.E., 2003. Spatial patterns and factors influencing small vertebrate fauna road-kill aggregations. Biological Conservation, 109(1), pp.15–26.
Coelho, I. P.; Coelho, A. V. P. & Kindel, A. 2008 Roadkills of vertebrate species on two highways through the Atlantic Forest Biosphere Reserve, southern Brazil. European Journal of Wildlife Research, v.54, p.689-699.
Fahrig, L. & Rytwinski, T., 2009. Effects of Roads on Animal Abundance?: an Empirical Review and Synthesis. Ecology and, 14(1), p.21.
Forman, R. T.; Sperling, D.; Bissonette, J. A.; Clevenger, A. P.; Cutshall, C. D.; Dale, V. H.; Fahrig, L.; France, R.; Goldman, C. R.; Heanue, K.; Jones, J. A.; Swanson, F. J.; Turrentine, T.; Winter, T. C. 2003 Road Ecology: Science and Solutions. Island Press: Washington, DC. 481p.
Forman, R.T. & Alexander, L.E., 1998. Roads and Their Major Ecological Effects. Annual Review of Ecology and Systematics, 29, pp.207–231.
Jaarsma, C.F., van Langevelde, F. & Botma, H., 2006. Flattened fauna and mitigation: Traffic victims related to road, traffic, vehicle, and species characteristics. Transportation Research Part D: Transport and Environment, 11(4), pp.264–276.
Jackson, N. D. & Fahrig, L. 2011. Relative effects of road mortality and decreased connectivity on population genetic diversity. Biological Conservation, 144(12), 3143–3148.
Van Langevelde, F. & Jaarsma, C.F. 2004. Using traffic ?ow theory to model traffic mortality in mammals. Landscape Ecology, 19, 895–907.
Citação
Este ensaio é um produto de disciplina da pós-graduação da Universidade de São Paulo. Para citá-lo:
Gonçalves, L. O. 2014. A inferência baseada em modelos e a mortalidade de fauna em rodovias. In: Prado , P.I. & Batista, J.L.F. Modelagem Estatística para Ecologia e Recursos Naturais. Universidade de São Paulo. url: http://cmq.esalq.usp.br/BIE5781.