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historico:2014:ensaios:ribeiro

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 +====== A seleção de modelos para avaliar o efeito da utilização de iscas na detecção e ocupação de mamíferos ======
 +=== Fernando Silvério Ribeiro ===
 +* Departamento de Ecologia, IB – USP
 +* fer_rib@ig.com.br
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 +===== Introdução =====
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 +A minha pesquisa trata da invasão de cachorros domésticos em remanescentes florestais. Meu objetivo é avaliar os determinantes dessa invasão e impactos na fauna nativa de mamíferos de maior porte. Para isso, vou utilizar armadilhas fotográficas para a amostragem de cachorros e mamíferos nativos, porém preciso definir se utilizarei iscas e, em caso afirmativo, de qual tipo.
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 +O uso de iscas atrativas é comum para esse tipo de trabalho (O'Connell et al., 2011). Diversos estudos demonstraram que iscas aumentam a probabilidade de detecção, aumentando a precisão das estimativas e diminuindo o tempo de amostragem necessário (Thorn et al., 2009; Paull et al., 2011; Garrote et al., 2012). Porém, há a preocupação de que as iscas enviesem as estimativas obtidas, por alterarem padrões de atividades espaciais ou temporais dos animais atraídos.
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 +Apesar dessa preocupação, só encontrei na literatura um trabalho que testa empiricamente a existência desse viés (Gerber et al., 2012). Os autores demonstram que para espécie //Fossa fossana// o uso de iscas não altera emigração ou imigração, estimativas de distância máxima percorrida pelo indivíduo,  horário de atividade e abundância ou densidade da população. Em contrapartida, as taxas de detecção aumentam, aumentando também a precisão das estimativas. Porém, esse trabalho, além de tratar de apenas uma espécie, baseou-se em modelos de captura-recaptura, que dificilmente são aplicados em armadilhamento fotográfico.
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 +A partir de dados coletados em diferentes sítios e com diferentes iscas (sem o uso de iscas, com iscas alimentares, e com iscas de cheiro), pretendo realizar uma análise semelhante aplicada às espécies e aos modelos de meu interesse. Especificamente, quero saber se, e como, cada isca afeta a detectabilidade (probabilidade de detecção) e ocupação (porcentagem ou número de sítios ocupados) de mamíferos. O ideal (e que me permitiria sua utilização) é que aumente a detectabilidade e não interfira na ocupação. A análise será baseada na seleção de modelos.
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 +===== Conceitos =====
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 +O arcabouço teórico da seleção de modelos envolve duas bases principais, a inferência por verossimilhança e um critério de escolha. O critério abordado na disciplina, conhecido por Critério de Informação de Akaike (AIC), é baseado na Teoria da Informação e foi proposto pelo estatístico japonês Hirotugu Akaike.
 +
 +A inferência estatística através da verossimilhança baseia-se na Lei e no Princípio da Verossimilhança. A Lei da Verossimilhança diz que a observação de uma variável aleatória //X = x// favorece a hipótese A em relação à hipótese B caso a probabilidade definida pela hipótese //A// de se observar //x// seja maior que a probabilidade definida pela hipótese //B//. Isso ainda implica que a Razão de Verossimilhança (razão da probabilidade de se observar //x// dada por //A// sobre a probabilidade dada por //B//) mede a força de evidência em favor da hipótese //A// sobre a hipótese //B// (Batista, 2009). Já o Princípio da Verossimilhança afirma que a razão de verossimilhança é uma medida absoluta da força de evidência na comparação entre duas hipóteses. Assim, razões de verossimilhança iguais, independente dos dados e das hipóteses, indicam exatamente a mesma evidência estatística. 
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 +Dentro da abordagem da seleção de modelos, a verossimilhança é usada tanto para ajustar os modelos (encontrar, através do estimador de máxima verossimilhança, os parâmetros que deixam o modelo com a maior verossimilhança em relação aos dados coletados) como para fornecer as verossimilhanças dos modelos que serão comparados.
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 +O AIC é utilizado para essa comparação. É uma medida da distância relativa de um modelo estatístico ao modelo real (ou seja, ao processo que gerou os dados). Quanto menor o AIC, menor a distância e mais plausível é o modelo. De uma maneira simplificada, o AIC leva em conta a verossimilhança dos modelos (na verdade, a log verossimilhança negativa) e os penaliza em função do número de parâmetros. Assim, caso dois modelos tenham a mesma verossimilhança e número de parâmetros diferentes, o modelo com menor número de parâmetros terá menor AIC. Há ainda outro critério, o AICc, que corrige um viés do AIC quando o número de amostras é pequeno em relação aos parâmetros (o que ocorre frequentemente na Ecologia e ocorrerá também com meus modelos).
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 +===== Impacto na minha pesquisa =====
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 +Conforme visto na introdução, uma parte de meu projeto de mestrado visa verificar o efeito da utilização de iscas na detecção e ocupação de mamíferos de maior porte. Meus dados serão a presença/ausência de cada espécie, por sessões de amostragem, em diferentes sítios.
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 +Antes de cursar a disciplina, minha única opção de análise era a inferência frequentista e isso me traria uma série de problemas. Para começar, meus dados não tem distribuição normal, o que seria uma premissa frequentista. Dados de presença/ausência em cada sítio de amostragem tem distribuição binomial. Já quando consideramos a ocupação (número de sítios ocupados) por sessão de amostragem a distribuição deve ser Poisson ou binomial negativa.
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 +Outro problema seria a impossibilidade de comparar diversos modelos ao mesmo tempo. A abordagem frequentista baseia-se em testes de significância entre a hipótese nula e a alternativa. Mesmo com a possibilidade de criar uma hipótese nula bem fundamentada na pergunta (e.g. a ocupação não muda entre diferentes tipos de iscas) eu perderia a possibilidade de discriminar entre diferentes hipóteses alternativas. O processo para explorar todas as possibilidades seria fragmentado, mais trabalhoso e com resultados pouco robustos.
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 +Com a abordagem da seleção de modelos, o processo torna-se mais lógico. A partir dos dados, pretendo criar e ajustar uma série de modelos representando hipóteses sobre os possíveis efeitos das iscas (sem efeito, efeito na detecção, efeito na ocupação ou efeito em ambos os parâmetros). Com a utilização do AICc, espero chegar aos melhores modelos, responder a minha pergunta e definir como dar continuidade à pesquisa.
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 +===== A análise =====
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 +Nesta seção, irei descrever como a abordagem de seleção de modelos será aplicada diretamente à minha pesquisa. Para simplificar, não considerarei covariáveis que não se relacionam diretamente à pergunta, como esforço ou características de cada sítio (porém, o raciocínio para incluí-las nos modelos é análogo ao apresentado). 
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 +Farei uso de modelos de ocupação. Esses modelos possuem ao menos dois parâmetros, a ocupação (porcentagem de sítios ocupados) e a detectabilidade (probabilidade de detecção). A detectabilidade, estimada a partir dos históricos de captura das diferentes sessões de amostragem, leva em conta a detecção imperfeita (ou seja, não capturar a espécie quando ela está presente). A partir da detectabilidade a ocupação observada é corrigida, chegando-se em sua melhor estimativa. Irei utilizar duas classes de modelos de ocupação, os modelos //single season// (MacKenzie et al., 2002) e os modelos //multi season// (MacKenzie et al., 2003) . O pacote //unmarked// do //R// já tem implementados métodos de ajustes para esses modelos (Fiske e Chandler, 2011).  
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 +Modelos de ocupação //single season// possuem apenas os parâmetros ocupação e detectabilidade. Esses modelos assumem populações fechadas e ocupação constante ao longo do tempo, sendo possível modelar através de covariáveis que mudam ao longo do tempo, como as iscas, apenas o parâmetro detectabilidade. Dentro desse grupo ajustarei dois modelos, um constante e outro com a detectabilidade variando conforme a isca. Isso me permite saber se as iscas influenciam na detecção, porém ainda não diz nada sobre a ocupação.
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 +Para modelar o efeito das iscas na ocupação, irei considerar as populações abertas. Modelos //multi season// lidam com essa possibilidade e, para isso, incluem mais dois parâmetros, a colonização e a extinção local. Neste caso, a colonização e extinção definem as possíveis mudanças na ocupação ao longo das seasons, que, no meu caso, serão definidas pelos diferentes tipos de iscas. Assim, caso as iscas tragam a espécie para uma área que ela não ocupava, isso será representado pela colonização. Novamente serão ajustados dois modelos, um com todos os parâmetros constantes e outro com colonização, extinção e detectabilidade variando com o tipo de isca.
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 +Todos os modelos serão comparados na mesma seleção, via AICc. Apesar de pertencerem a classes distintas, eles aplicam-se aos mesmos dados e, portanto, são comparáveis. A seleção de um modelo //multi season// será indício de que as iscas interferem na ocupação e, portanto, não devem ser utilizadas. Já a seleção do modelo //single season// com iscas como covariáveis da detecção indicaria que elas não interferem nos padrões de uso de espaço das espécies e apenas diminuiriam o erro das estimativas, mostrando-se adequadas para o projeto em questão. A escolha da isca a ser utilizada será baseada nos coeficientes (interceptos) de cada uma. A com maior coeficiente será a que mais aumenta a probabilidade de detecção e, portanto, a escolhida.
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 +===== Referências bibliográficas =====
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 +Batista, J.L.F. 2009. Verossimilhança e Máxima Verossimilhança. Centro de Métodos Quantitativos, Departamento de Ciências Florestais, Escola Superior de Agricultura ”Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Campus Piracicaba.
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 +Fiske, I.J., Chandler, R.B. 2011. unmarked: An R Package for Fitting Hierarchical Models of Wildlife Occurrence and Abundance. Journal of Statistical Software. 43
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 +Garrote, G., Gil-Sánchez, J.M., Mccain, E.B., De Lillo, S., Tellería, J.L., Simón, M.Á. 2012. The effect of attractant lures in camera trapping: a case study of population estimates for the Iberian lynx (Lynx pardinus). European Journal of Wildlife Research, 58: 881-884
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 +Gerber, B.D., Karpanty, S.M., Kelly, M.J. 2012. Evaluating the potential biases in carnivore capture–recapture studies associated with the use of lure and varying density estimation techniques using photographic-sampling data of the Malagasy civet. Population Ecology, 54: 43-54
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 +MacKenzie, D.I., Nichols J.D., Hines, J.E., Knutson, M.G., Franklin, A.B. 2003. Estimating Site Occupancy, Colonization, and Local Extinction when a Species Is Detected Imperfectly. Ecology. 84: 2200-2207
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 +MacKenzie, D.I., Nichols, J.D., Lachman, G.B., Droege, S., Royle J.A., Langtimm, C.A. 2002. Estimating Site Occupancy Rates when Detection Probabilities Are less than One. Ecology. 83: 2248-2255
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 +O’Connell, A.F., Nichols, J.D., Karanth, K.U. 2011. Camera Traps in Animal Ecology: Methods and Analyses.
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 +Paull, D.J., Claridge, A.W., Barry, S.C. 2011. There’s no accounting for taste: bait attractants and infrared digital cameras for detecting small to medium ground-dwelling mammals. Wildlife Research. 38: 188-195
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 +Thorn, M., Scott, D.M., Green, M., Bateman, P.W., Cameron, E.Z. 2009. Estimating brown hyaena occupancy using baited camera traps. South African Journal of Wildlife Research. 39: 1-10